CRÍTICA DRAMA
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
BOA NARRATIVA GARANTE A QUALIDADE DE “POROROCA”
Texto de estréia de Zen Salles tem ação tecida em aldeia Maranhense.
O faz de conta instaurando o teatro. “ Pororoca”,texto de estréia do autor maranhense Zen Salles, resgata o princípio de que um bom espetáculo começa com uma boa história bem contada.
Fruto de um projeto internacional de incentivo a novos dramaturgos, a peça corresponde às expectativas dos especialistas ingleses que a supervisionaram.
Apresenta uma trama bem tecida, sem fios soltos, e que é profundamente tributária das raízes culturais e das memórias de infância de seu criador.
Situada numa pequena aldeia do rio Mearim, o único do Maranhão onde acontece a pororoca – uma grande onda que corre contra o curso da correnteza – o arco de ação costura as vidas dos moradores daquela comunidade.
Mais do que uma descrição, a fábula faz um inventário da condição feminina naquelas circunstâncias geográficas e sociais, bem como um resgate de algumas de suas lendas dominantes.
Essas definições do dramaturgo são contempladas plenamente na encenação de Sérgio Ferrara, experiente na alternativa de alcançar a eficácia narrativa com um mínimo de recursos.
Verdade que a produção tem detalhes luxuosos menos relevantes, caros aos empreendimentos institucionais. Mas, no geral, a empatia gerada ao longo dos episódios que se concatenam se deve muito mais aos intérpretes e ao jogo estabelecido por eles no espaço exíguo da montagem, do que à cenografia e aos figurinos.
No palco, os destaques são as atrizes.
Juçara Morais como “veia Jacy”,entidade que protege o rio e interage como oráculos dos demais personagens, e Sabrina Petraglia como a menina moleca, cujo destino inexorável será a prostituição, sustentam com competência o fio principal da narrativa.
Bia Moreli, Melissa Maranhão e Carol Leiderfarb também contribuem para as verossímeis relações tramadas entre os desejos pessoais dessas mulheres e as tradições arraigadas que condicionam.
Mesmo uma cena menos bem resolvida, como a que opõe um surfista do sul do país à quebradeira de coco local,justifica-se na estrutura dramática, contrastando as crenças e metificações sobre a pororoca sua absorção em outro contexto, mais superficial.
De algum modo, como sugere a convenção dramática tradicional, o texto suplanta e submete a cena, definindo a qualidade da experiência teatral.
Zen Salles estreou com o pé direito nessa opção de dramaturgia, apresentando o que, nela, de melhor um jovem dramaturgo pode oferecer. Sua experiência de vida e a boa técnica de narrar.
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